“Em
sua igualdade majestática a Lei proíbe tanto ao rico quanto ao
pobre dormir embaixo da ponte, esmolar nas ruas e furtar pão”.
O
programa de cotas utilizado pelas universidades públicas tem sido
uma das formas de acesso ao ensino superior pelos vestibulandos
egressos da rede pública. Dessa maneira, tenta-se democratizar a
educação que há décadas é vista no Brasil como elitizada. Não
pra menos que tal classe se vê contrariada em seu status
quo, e vai
as ruas protestar. É lógico, políticas afirmativas deveriam ser
passageiras e não ampliadas como vem sendo feito. Contudo, se elas
não forem trabalhadas sincronicamente com investimentos no ensino
fundamental e médio, efetivamente, a sua função de acesso a
educação à todos os excluídos se transviará em uma medida sem
muitos préstimos no futuro. Proteger a geração que ainda virá é
importante, mas sem esquecer, claro, da geração de agora.
Existem inúmeros
argumentos favoráveis e contrários a lei aprovada pelo Senado no
dia 07 de agosto e sancionada pela presidenta Dilma ontem (29/08): A Lei de Cotas. Esta, prevê que do total de vagas destinadas ao
vestibular, metade seja para alunos de escola pública. E, dentro
dessa metade, 50% estejam reservados a negros, pardos e índios
autodeclarados perante uma banca de julgamento étnico. Assim, pelos
critérios da universidade, o candidato teria uma bonificação no
exame para concorrer a uma vaga. Não é justo, em vista da
inoperância e da ineficiência da educação pública do ensino
médio frente as dicotomias do meio social brasileiro? Bem, não é
do mesmo modo que os contrários à Lei pensam.
Os discursos dos
“bonzinhos”, como disse Paulo Moreira Leite em seu artigo “O
Preconceito dos Bonzinhos” na sua coluna Vamos Combinar
da revista Época, são cheios de critérios aburguesados: “o
aluno não entrará de cabeça erguida pela porta da frente; há um
desrespeito pelo mérito dos estudantes não-cotistas; o nível da
educação superior pública decairá; os cotistas se sentirão
menosprezados e rejeitados no ambiente universitário...”.
Exposições de puro interesse classista. Existem ponderações nas
defesas, mas não argumentos sólidos que possam convencer
racionalmente um indivíduo sensato. Quem disse que todos os
cotistas desistem do curso durante o seu progresso? Isso é
generalizar... Quem disse que não haverá mérito desses candidatos
aprovados pós enfrentamento de horas em provas?
Outra análise a se fazer
também é: realmente o vestibular mede eficazmente a meritocracia?
Avalia a real inteligência da pessoa, ou apenas cobra a sua
capacidade de associação mecânica e de elaboração repetitiva de
respostas a perguntas consagradas? O vestibular está longe de ser um
método igualitário frente as disparidades da nossa sociedade. Outra
crítica passível se baseia na possibilidade de queda da qualidade
acadêmica. Enquanto alunos da rede privada defendiam essa máxima na
“Marcha do Todinho” em Goiânia domingo, 19 deste mês, o
Jornal O Popular tinha como manchete a contra-argumentação para
tal: “filha de pai caminhoneiro e mãe que recicla
reutilizáveis, Mariana é uma das melhores alunas na Faculdade de
Medicina da UFG vindas de escola pública”.
Um estudo realizado pelo
Laboratório de Políticas Públicas da UERJ mostra “Os 10 mitos sobre as Cotas” nas instituições federais. A comissão
chegou a conclusões que fazem cair por terra a maior parte das
opiniões pouco elaboradas sobre o tema. Inclusive sobre os negros. É
inquestionável a existência do preconceito dentro da sociedade
brasileira, por mais que se confirme sua miscigenação. E isto, está
vinculado ao processo histórico pelo qual passamos, que enriqueceu a
Casa Grande por meio da exploração da Senzala. Porque semelhante
aos EUA nos anos 60, as políticas de discriminação positiva vem
com o intuito de oferecer oportunidades que antes eram vistas qual
irrealizáveis para este grupo tão desprezado que são os negros.
Nunca, nenhum deles disse que eram incapazes de concorrer como
universais nos concursos, só não tiveram a mesma preparação
sistemática que os brancos de rede particular possuem até hoje.
Enfim, as políticas
compensatórias se fazem de uma oportunidade ímpar para a grande
população pobre brasileira que faz uso do ensino público – mudar
sua situação para melhor e de seus familiares pelos estudos. É
egoísmo e preconceito pensar que o aluno de escola pública seja
incapaz de acompanhar as aulas, de se esforçar na universidade, de
que não podem sequer se sustentar lá dentro devido aos custos da
formação... Repito: puro egoísmo e preconceito. Todos tem direitos
(óbvio), mas será que são iguais para todos? Não, justamente
porque ainda impera no Brasil uma conservadora divisão de classes
que segrega seus cidadãos. Na verdade somos desiguais, e para tanto,
se combate a injustiça tratando os iguais de maneira igual, e os
desiguais de maneira desigual. Não pode o Estado cobrar de todos os
mesmos deveres, nem oferecer a todos os mesmos direitos. Pois, se dos
pobres sempre tirava e dava aos mais abastados (via impostos
indiretos, benefícios creditícios, redução de cobranças em
cadernetas bancárias), o inverso, agora, começa a ressoar rumo ao
povo.
***VÍDEOS:
Pedro Cardoso - Cotas nas Universidades
Hélio de La Peña - Cotas nas Universidades
O Problema da designação de quem é negro
Debate - Cotas Raciais
Canal Livre - As Cotas na Universidade (com Demétrio Magnoli)
Opinião de Rachel Sheherazade
A repercussão fora do Brasil (telesur)